quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Saudades

Ontem deitei-me a pensar na minha avó. De quem tenho muitas, mesmo muitas saudades. A minha avó, não era letrada, mas era dona de uma sabedoria muito própria. Assim como detinha uma linguagem única e singular. Usava palavras indecifráveis para a maioria do comum dos mortais, mas a que nos fomos habituando, e percebendo no contexto. A minha avó dizia constantemente que nós, a netas, lhe provocávamos muitas fezes. E fezes neste contexto, eram apenas preocupações. E que essas fezes lhe tinham marcado a face magra e ligeiramente encovada, repleta de rugas.  A minha avó andava descalça, fosse verão, fosse inverno. A minha avó vivia na rua. Tinha uma casa, imaculadamente arrumada e limpa, mas era na rua, no seu pequeno monte ribatejano, que vivia os dias. A minha avó cheirava a fumo. E que saudades eu tenho desse seu cheiro tão peculiar. A minha avó fazia lume com uma perícia única, que eu (nem com meia dúzia de caixas de acendalhas) jamais saberei fazer. A minha avó cozinhava ao lume, em panelas de barro, e que saudades tenho dos seus cozinhados. A minha avó fazia as melhores torradas do mundo, no lume, a escorrer manteiga. A minha avó nunca viajou, e nunca gostou de sair dali, do seu pequeno mundo. E quando o tinha de fazer, poucos km que fossem, ficava doente e enjoada. A minha avó era feliz no seu pequeno mundo (quero acreditar que sim). A minha avó não era letrada, não sabia fazer contas, mas sabia o valor exato que tinha no seu mealheiro. Aquele frasco de tofina, com notas imaculadamente enroladas, que estava enterrado na capoeira das galinhas qual tesouro escondido, para uma hora de aflição.
A minha avó não era letrada, mas sabia fazer o melhor pão, em forno de lenha. Aquele forno, que não tem botão para regular a temperatura, mas que ela sabia quando estava muito ou pouco quente. A minha avó não era letrada, mas sabia fazer-se entender com as galinhas, os patos, e os pombos. E tinha um orgulho extremo na sua horta imaculadamente cuidada.
A minha avó partiu, sem aviso prévio. E eu tenho tantas, mas tantas saudades dela.
 
 

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