terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Sigo. caminhando.

A um trabalho, acumulei outro. Subtraí o tempo e a constatação de que nada sobra. Mas sigo, caminhando, com a mesma força (ou gosto de pensar que sim) e mais algum entusiasmo (quase sempre, assim). 
Consegui arranjar meia hora para dar cabo de metade do meu cabelo. Não lamentei as décadas de cabelo comprido, e estou mais leve. 
Os miúdos vão gerindo a vida académica um pouco à sua maneira, sem que eu pressione (tanto) ou saiba com precisão as datas dos testes  (vou sabendo, assim de uma forma mais geral), e a coisa não tem corrido mal (à parte aquela negativa a matemática do miúdo). 
O diretor de turma dele, diz que ele se queixou de que dou mais atenção à irmã. A irmã queixa-se (cheia de razão), de que perco demasiado tempo fora de casa, só para o levar/buscar ao futebol. 
O carro pede pastilhas e revisão (entupido de razão). São cerca de cem, os quilómetros diários.
Eu não peço nada (quase). Não me queixo de nada (quase). 
Só à noite, quando me deito, e converso com Ele. 

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Foi hoje

Voltámos à rotina. 
Com ela, a constatação de vários dramas, que se abateram sob as cabeças adolescentes desta casa. 
Ela, que se apercebeu hoje, logo hoje, primeiro dia de aulas, que não tem nada para vestir. O horror, o descalabro. Disse-lhe que sim, que tinha razão, evitando parecer mais irónica do que o que estava a ser na realidade, porque no fundo, é um drama que reconheço ser comum a ambas. 
Ele acordou, olhou-me ensonado e disse "estou muito preocupado". Perguntei porquê, embora sem grande entusiasmo, a primeira meia hora da manhã, todos sabem, não sou dada a grandes diálogos. Afinal, está só preocupado com o oitavo ano. Menos mal. 
Enquanto partilhávamos todos a minha casa de banho (rotina a que já não estava habituada, vá-se lá perceber porque é que não se distribuem pelas outras duas, e andamos ali os três a discutir dois lavatórios), e ele transformava a franja numa ostensiva pôpa, rematou:
"parece-me que vou entrar em depressão. esta vida não foi feita para mim". 

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

De rotinas. Precisa-se.

De escola. Precisa-se.
Está a fazer-lhes uma falta danada. Eles não sabem. Mas eu sei. Eles acham que não . Eu tenho a certeza que sim . 
Não há razões de queixa das férias. Ninguém se queixa. Nem eu, muito menos eles. Algarve e Sesimbra comigo. Porto com o pai. Ele novamente Algarve com amigos. Ela com as amigas ainda foi à comporta, a Alenquer e a Londres. Mas agora estão em casa. E não há quem os ature. Ele tem desafiado a construção da nossa casa. É das boas. Um bom investimento, tenho atestado. Os constantes remates às paredes, e nem uma lasca na tinta, ou um bocado de estuque ao chão. Tem sido um desafio também à paciência da vizinhança que ainda não se queixou.
Ela esgotou todas as temporadas da anatomia de grey, que resolveu ver desde os tempos primórdios, num daqueles sites manhosos ( ilegais) com legendas em português brasileiro, do pior que pode haver. Tem sido um teste ao pobre computador, que ao fim de umas horas bufa por todos os orifícios, a anunciar o cansaço através de uma barulhenta ventoinha. 
E depois há o teste à minha paciência , com as constantes guerrilhas entre eles, quem acabou com a nutella,  "que ainda ontem havia um frasco quase cheio", de quem é a vez de ir com o cão à rua, "que não posso ser eu, que já fui mais vezes e isto assim é uma injustiça", quem é que deixou aquele copo na sala "não fui eu" " nem eu" e não foi ninguém, de quem é a vez de pôr a mesa "ontem fui eu!" " tás-te a passar? Fui eu !", e que ela está farta do mau feitio dele, e que ele está farto  daquele feitiozinho dela, e se as férias não acabam, ainda vislumbro pancadaria  na certa. 
E eles estão fartos de mim, e da minha mania das arrumações e limpezas ( não é uma mania, já disse), e do meu feitio autoritário ( de mãe ), e das minhas queixas com os horários desconcertados deles ( e é a razão pela qual sou a única a não conseguir ver o filme da noite até ao fim, outra queixa deles ), e do cão não ser minha responsabilidade ( apesar de o passeio nocturno ser maioritariamente meu, porque eu ladro, mas não mordo). 
Na verdade, estamos mesmo a precisar das rotinas. De escola, de dança, futebol e natação, de energias gastas, para daqui a dois meses nos estarmos a queixar delas, e a ansiar por novas férias.

Estou cá.

Provavelmente nem vale a pena explicar a ausência.
Até porque na verdade, nem há razão plausível a explicar.

Entro assim de fininho, como se nada fosse, como se quase dois meses não tivessem passado, e retomo o fio à meada.
Estou cá. Não sei se para ficar, mas estou.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Nesta, ou noutra vida


-Um dia vamos ?
-Sim. Um dia.
-Juntos?
-Sim. Juntos.
-Um dia, quando?
-Não sei. Um dia.
-Nesta, ou noutra vida?
-Talvez nesta. Talvez noutra.
-Sim... Noutra, talvez.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Férias atribuladas

"Vamos de férias", digo-lhe . Assim que as aulas terminem . Só nós, e os miúdos. E amigos dos miúdos . Dois carros cheios. 
A primeira semana só de mulheres . Eu , ela, a minha filha, as duas dela . E duas amigas. À segunda  semana juntamos mais dois. O meu e um amigo. Quatro são nossos . Os meus dois. As duas dela . Os três restantes são amigos. Sete miúdos, para duas. Fácil . 
Dia 1- uma das amigas, com um febrão brutal. Vá de brufen. 
Dia 2- sou picada na praia por uma vespa. Sacana da filha de um ganda vespão, que aquilo doi como tudo.
Dia 3 - a garganta da amiga evidência uma amigdalite jeitosa. Uma ida ao hospital e um antibiótico prescrito. Uma das filhas da minha amiga fica com febre. 
Dia 4- resguardam-se as doentes, ora em casa, ora debaixo do chapéu de sol ( felizmente um valente chapéu, tamanho xl).
Dia 5- a minha filha é picada por um peixe aranha. Não a via chorar assim desde que era bebê . O nadador salvador já me conhece, desde a picada da vespa, e trata dela com muito jeitinho ( todas as outras amigas, quase desejam  uma picada semelhante, já que o rapaz é giro como tudo ).
Dia 6- a amigdalite da amiga piora consideravelmente, nova ida ao hospital, novo antibiótico. Uma "bomba" de uma toma só, e a promessa da recuperação em dois dias. A miúda não aguenta aquilo no estômago e vomita um bocado. Tentamos avaliar o tamanho do " bocado", e rezamos para que o restante surta efeito. 
Dia 7- a outra amiga, acorda sem conseguir abrir os olhos. Inchados. Muito inchados. Sem razão aparente. Fazemos uma consulta via telefone com um médico amigo. Fica resguardada do sol. 
Dia 8- a outra filha da minha amiga acorda com febre. 

Dos nove intervenientes destas férias, .  há três a quem ainda não lhes " tocou" nada. Mas calma, que ainda temos quatro dias pela frente ...

sábado, 20 de junho de 2015

Descanso

Olho à minha volta . Olhos semi cerrados, o sol aflige-me. Tento habituar-me à claridade -  não posso estar sempre de óculos escuros, que já consigo visualizar as marcas do sol, a face bronzeada , a pele circundante aos olhos, mais esbranquiçada. Olho à minha volta . Vejo grávidas . Muitas grávidas . Mulheres prenhas, exibindo barrigas imponentes e umbigos prestes a explodir . E muitas mães. Já efectivas, com filhos cá fora, bebês pequenos, crianças pequenas, crianças crescidas. Lembro-me da notícia que li ontem, assim na diagonal, de que as estatísticas indicam que o nosso país está cada vez mais velho. Por cada cento e quarenta idosos, cem crianças. Este país não pode estar velho. Esta praia não é de velhos. Até onde a minha vista alcança não consigo vislumbrar nenhum, embora saiba que aos olhos dos meus filhos se encontram dezenas. 
O sol escalda-me, e olho para as miúdas. Levanto-me em preguiça, e dou uma esguichadela de spray nas costas de cada uma . Estão alinhadas, as cinco - quais frangos na grelha de um churrasco. Espalho o protector deixando resticios de creme branco sem que se apercebam. Sei que não gostam, mas ao comentário da minha ( " nunca me lembro de seres tão chata com o protector" ) respondo com as estatísticas de cancro de pele cada vez mais altas. As estatísticas. Sempre as estatísticas. Volto a deitar-me em preguiça . Uns metros à frente, um casal com duas crianças. Não descansam em preguiça, e olho-lhes os movimentos. A mãe emborca um biberon de leite na boca do bebê, enquanto o pai muda a fralda cueca do mais velho. Fralda mudada , sentados debaixo do chapéu, o pai abre o jornal depois de dar uns brinquedos ao filho. Pensa " entretém-te aí um bocado" - imagino. A criança não se entretém, num ápice abandona a sombra. A mãe, empunha o bebê ao colo, dando-lhe pancadinhas nas costas. Intervalado com as pancadinhas, com um só braço, pega numa lancheira que entrega ao marido, olhos postos no jornal. " o Afonso, o Manel, o Gonçalo, ou quiça o Zé Maria, tem fome " - imagino que lhe diga. O pai dobra o jornal, mal dobrado, páginas desalinhadas e já cheias de areia, pega no Afonso, no Manel, no Gonçalo ou quiça no Zé Maria, senta-o de novo à sombra, e articula colheradas de iogurte pela boca do filho. Uma mão de areia furtuita apimenta o iogurte - os ânimos. O pai zanga-se, levanta-se, procura qualquer coisa no saco gigante que imagino que carregou a custo, e enfia o iogurte inacabado num saco de plástico. A mãe deita o bebê no colo, depois de um arroto imponente - quase que o consegui ouvir. 
O pai desdobra o jornal, tenta alinhá-lo, as folhas estão tesas do sol, não se alinham . O miúdo chora, levanta-se, o pai ralha, a mãe faz pchiu, o miúdo quer ir chapinhar no mar, o bebê quer dormir - imagino. 
O pai olha na minha direção, baixo a cabeça. O sol escalda-me as costas,  desafio as miúdas para um mergulho. Enquanto me levanto, vejo as folhas do jornal, cada vez mais desalinhadas, o pai gesticula um qualquer ralhete ao miúdo, o bebê esperneia com calor - imagino. 
A mãe está impaciente, agarra no jornal, agora transformado em dois, enfia-o no saco gigante com algum vigor, o pai arranca em passo acelerado com o Afonso, o Manel, o Gonçalo, quiça o Zé Maria de braçado, em direção à água. 
A mãe, uma rapariga para a minha idade - penso se devo deixar de dizer "rapariga", de cada vez que me lembro de ouvir o meu avô " vou jogar às cartas com os rapazes ". Um dia, estranhando a disponibilidade daqueles rapazes da minha imaginação, para jogarem às cartas com um homem de quase nove décadas completas, perguntei quantos anos tinham os rapazes. " são todos rapazes aí para a minha idade" respondeu-me - de barriga ainda proeminente de um parto recente, ajeita melhor o bebê na sombra, deita-se a seu lado, vai descansar um pouco - adivinho-lhe o cansaço, enquanto  caminho para o mar. 
O descanso é breve, quase instantâneo. O pai cruza-se comigo, o Salvador - ouço-o agora, enquanto reclama com o filho, as mãos cheias de areia nos olhos - chora, aflito, e pede a mãe. 

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Duplamente orgulhosa

O miúdo liga-me " mãe , tenho excelentes notícias !" . Adivinho-lhe no entusiasmo, as notas escolares . Os olhos enchem-se-me de lágrimas. Não só porque me emociono por dá cá aquela palha, não só porque as notas foram melhores do que o previsto, mas porque estou de férias com a miúda, sem ele, porque ele assim o desejou, e porque cedi à sua vontade, e porque me custa. 
Dou-lhe os parabéns com a voz embargada, e aproveito para o relembrar que apesar de ter tido apenas dois " três "o resultado poderia ter sido melhor, e que para o ano terá de se esforçar mais. Sou uma pica miolos, mas com ele tenho de ser pica miolos quase a tempo inteiro. Diz-me que teve tudo o resto " quatro" e nota cinco e educação física e educação visual. Dá uma gargalhada. Gargalho com ele. Nota máxima a educação visual  é no mínimo ridículo, ele que não tem jeitinho nenhum para aquilo. Ele que tem sempre os trabalhos em atraso. Ele que tem um traços ao nível de um miúdo da primária. Mas o professor organiza um torneio de futebol inter turmas, e nessa organização ele deve ter sido talvez o mais interessado em colaborar. Oiço-o feliz, e penso que este miúdo tem sorte, porque é assim, meio desleixado, meio esquecido, meio aplicado, meio falador, meio distraído ( ou muito, tudo ), mas tem uma capacidade natural de cativar as pessoas. 
De seguida, recebo sem surpresa as notas da miúda. Ela que se empenhou, esforçou e trabalhou muito. A média de quinze não é brilhante, principalmente para quem não sabe ainda o que seguir concretamente ( embora continue a ambicionar algo na área da saúde ), mas é o suficiente para me deixar orgulhosa porque foi conseguida com esforço e dedicação. 
A minha amiga, que está de férias comigo, também recebe as boas novas, sem surpresa. As duas filhas, na mesma turma dos meus, no topo da lista como melhores alunas. 
" vamos comemorar" diz-me. 
Ainda que sem o miúdo, mas com as miúdas e as amigas delas que 
trouxemos, saímos para o brinde. Duplamente orgulhosas. 

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Voltei, voltei

Andei arredada daqui . 
Pela falta de tempo , ou porque simplesmente , não me apetecia . Às vezes sou assim . Arredo -me de certas coisas , mesmo daquelas que gosto , porque preciso , porque tenho essa necessidade . Depois regresso , como se nada fosse , como se tempo algum tivesse passado , desse arredo natural e propositado . Volto , porque lhe sinto a falta , ou tão só , porque me apetece . 
Hoje , voltei.
Porque me apeteceu , e porque senti falta . 
E escrevi palavras soltas , aquelas que me apeteceram no momento , através das curtas teclas do ecrã do meu telemóvel ( isto não são teclas , é apenas um vidro táctil ), e depois irritei-me , porque me irritam as tecnologias , e não conseguia alinhar o texto, e não conseguia alterar o tipo de letra ( embiquei com o arial, como quem embica com um único par de jeans, apesar das dezenas que permanecem renegadas no roupeiro porque não caem tão bem , quanto aquelas ), e não conseguia anexar uma foto, e logo agora , que de férias, uma pessoa até podia postar umas paisagens jeitosas ( que fica sempre bem ).
E depois das curtas palavras , que fui despejando ao acaso , senti falta de visitar todos os reinos vizinhos que visito regularmente . Senti falta da Uva, que às vezes me dá as notícias do dia , mesmo antes de as ver noutros meios de comunicação social , senti falta das incursões ao supermercado da Linda Porca , senti falta das frases poéticas da Maria Eu, senti falta da L das horas e de saber como está, da Sci, da Alice, da São e de saber o que anda por aí a experimentar, das Ninas, da Gaja Maria e suas pedaladas , da avó Gi, da Vania, e de tantos outros reinos, que acompanho como se fôssemos amigos , ainda que não lhes conheça a cara, ainda que tenha levado anos , relutante em relação a este mundo, que é o virtual ( passinhos pequenos , na tecnologia que tanto me irrita ). 
Depois tentei. Bem ditos três euros para passar os míseros duzentos megas a um fantástico giga, e vamos a isto - pensei. Depois a rede não é fantástica. E uma pessoa fica a olhar para a linha no topo do ecrã, enquanto o sol lhe escalda as costas. E a linha chega ao fim . E uma pessoa tenta ler, e amplia o ecrã , não que tenha falta de vista , que isso já me avisaram que é a partir dos quarenta , e os meus são ainda frescos como uma alface ( embora pensando bem , daqui a nada já vou no enta e um, que os meses passam a correr, e já lá vai meio ano, desde essa entrada na ternura dos entas), mas porque o ecrã é efectivamente pequeno, porque o sol é efectivamente ofuscante, porque a net voltou a ficar lenta, e porque , afinal de contas estou na praia e não se pode exigir mais. Então desisti. Agarrei no livro , aquele em papel, tecnologia do antigamente , e debrucei-me sob ele, deixando os reinos vizinhos para o meu regresso. Que é daqui a quinze dias.  E passa num abrir e fechar de olhos, que o que é bom, acaba-se depressa. 
Agora chega. Vou ali dar um mergulho para comemorar os meus passinhos pequenos na tecnologia. É que no entretanto , além de escrever um post via telemovel  , também já descobri como postar fotos . Um viva para mim . 

Não é para meter inveja , mas estou mesmo é de férias

Esta rainha estava cansada.
Cansada da época de testes escolares dos miúdos , da miúda fechada no seu casulo, a dar o litro nesta recta final, do miúdo a fazer tudo , menos fechar-se no seu casulo, a dar meio decilitro nesta recta final. Das minhas tentativas ( tantas vezes goradas) de o fazer ver que um último esforço valia a pena , que a vida se faz de esforço , de empenho , e não só no futebol.
Esta rainha estava cansada de se desdobrar entre idas a dois campos de treinos, à escola de dança , ao inglês , ao supermercado , do pó, do aspirador , do ferro, da roupa que está seca há três dias, que ninguém apanhou e que está tesa que nem carapau ( um carapau seco e teso entenda-se) . Esta rainha estava cansada de tachos e panelas , e de pensar na ementa do hoje e no menu de amanhã, e no que tinha ficado por fazer no escritório , para o dia seguinte.
Vai daí, esta rainha cansada encheu o carro de mantimentos e de miúdas , e embarcou numas ferias . O miúdo ficou para um último torneio de futebol , e há-de chegar nos próximos dias. As notas , essas , conquistadas com esforço, barra, pouco esforço , hão de chegar lá mais para o fim do dia , via sms. Esta rainha estava cansada , e recupera agora na areia de uma praia.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Conselho do dia (vale o que vale)

Dos meus arrumadores de carros de há anos, a quem confio o carro todo o dia,  sei um pouco da história de cada um. São três. E as histórias são idênticas. Estiveram os três presos. Mais do que uma vez. Uns, mais anos do que outros. Dois deles em lisboa. Um deles experimentou uma prisão em Itália. Todos, pelas mesmas razões. Roubo, tráfico. Dois deles foram toxicodependentes "oh Dona, eu agora é só ganzas. Drogas duras já não.". O outro, nunca foi dependente "oh Dona, então se eu vi a minha mãe morrer com a idade que eu tenho hoje, trinta e um anos, com um cancro pelo corpo todo, mas agarrada às drogas, acha que eu ia meter-me nisso?". Dois deles têm duas filhas, o outro não experienciou ainda a paternidade. Vivem todos na rua há anos. Muitos anos. Todos tiveram pais dependentes (álcool e drogas), todos sofreram violência física por parte dos mesmos.
Um deles hoje, queixava-se dos pais, da negligência que tiveram perante uma serie de filhos, da violência do pai bêbado, e de nunca ter conhecido os padrinhos. Todos tinham padrinhos, menos ele. E isso, ele não perdoava.
 
- Oh Dona, se eu tivesse tido padrinhos, podia ser que eles me dessem conselhos, que me tivessem orientado para a vida. Conselhos. Às vezes é bom ouvir conselhos. Por exemplo, chateei-me ali com o Zé - um dos outros arrumadores - porque muitas vezes que lhe peço conselhos, e ele só me diz para ler um livro. E não é esse conselho que eu preciso de ouvir. Então agora vou enfiar a cabeça num livro?
 
Perguntei-lhe se tem visto as filhas.
 
- Não Dona. A mais velha que tem dez anitos, nunca a vejo. Porque vive ali para os lados da Amadora.
- Da Amadora? Então, mas a Amadora é já aqui ao lado...
- Pois Dona, mas há outras coisas... A mãe dela também não deixa, e quando eu ligo, só me pede dinheiro. - Mostra-me a fotografia da filha.
- É linda - digo-lhe - Então e a outra?
- A outra vejo-a quando me apetece, e ligo-lhe de vez em quando. Mas por exemplo, ainda ontem lhe liguei, para irmos àquela loja da Primark, no Colombo, sabe? E ela disse-me que preferia ir ao Vasco da Gama ao MacDonald's. Eu disse-lhe que não. Então tinha que a ir buscar lá abaixo, depois ir para a Expo, e depois vir outra vez? Não dava! - Mostra-me a fotografia da mais pequena.
- É linda. Mas olha, devias fazer por ver as tuas filhas mais vezes. Faz um esforço. Pensa assim: se és tão revoltado por achares que os teus pais não te deram conselhos, por não teres tido padrinhos para te darem conselhos, pensa que um dia mais tarde, as tuas filhas podem vir a ser revoltadas por terem tido um pai ausente, que não lhes deu conselhos. Pensa que se tu precisavas disso, ela também irão precisar. E ainda vais a tempo.
- Oh Dona, 'tá a ver? Isso é um bom conselho. Isso é um conselho que eu aceito de bom grado.
- Pronto, isto é o conselho do dia. Vê o que é que fazes com ele. Outro dia, há mais.
- Obrigado Dona. A sério. Obrigado.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Expropriada

Somos quatro. Eu, a miúda, o miúdo, o cão.
Cada um tem o seu quarto (sendo que o cão, ficou confinado à cozinha, na hora da deita).
Temos três casas de banho. A social (que me irrita solenemente quando vejo que o miúdo a usou - e é tão evidente que foi ele, apesar de esbracejar e jurar a pés juntos que não foi), a minha, e a deles (sendo que o cão tem o privilégio de usar uma casa de banho imensa em cada arbusto por onde passa).

O miúdo usa a casa de banho deles (e por vezes a sanita social), a miúda só usufrui da banheira. Tudo o resto, usa na minha, que o lavatório é maior (um para cada uma), e a panóplia de cremes e maquilhagem que é minha, passa a ser nossa. 
Temos cinco escovas de cabelo. O que por si só, seria mais do que suficiente, dado que o cão tem a dele (e que ninguém discute a partilha), cada um dos miúdos a sua (sendo que na minha perspectiva, o miúdo até com os dedos se safava), e eu tenho duas (sendo que uma, apesar de me ter custado os olhos da cara, não penteia nada, uma vez que é própria para extensões, um devaneio meu, há milhares de anos atrás, quando decidi cortar a minha linda cabeleira comprida  pelos ombros e me arrependi no segundo seguinte).

Acontece que, na nossa rotina matinal, há um momento em que estamos todos a dar os últimos retoques na casa de banho. E é nessa altura que andamos esbaforidos à procura DA escova de cabelo. Que mais não é, do que a MINHA. E eu reclamo, que com tanta escova, todos enbicaram com a minha, e eles reclamam que de todas, a minha é a melhor. Nas últimas semanas, a minha escova desapareceu. Eu e a miúda, as duas com uma cabeleira extensa, andámos a fazer rodagem às restantes escovas, sendo que nenhuma desembaraçava de facto como a minha. O miúdo não se queixou deste desaparecimento, mas com a azafama matinal, também não me ocorreu pensar na questão.

Esta semana, vejo a escova no lavatório dele. Penso, "olha que maravilha, onde será que andou este tempo todo?", penteio o cabelo com vigor, a miúda vê-me e exclama "boa mãe! encontraste-a ?" espera a sua vez, e penteia o cabelo com vigor. O miúdo dá um grito "quem é que me tirou a minha escova?" , entra na casa de banho, arranca a escova das mãos da irmã, reclama "que nojo, isto já está cheio de cabelos teus!", a miúda grita " como é que sabes que são meus?", o miúdo ainda grita mais alto "porque são loiros, e isto é nojento", a miúda exalta-se mais ainda "que eu saiba não sou a única loira, a mãe também é", eu tento acabar com a discussão e grito "parem com isso, até porque essa escova é minha!", e o miúdo diz-me "não, escova é minha! no último mês tem sido só minha!", eu percebo nesse instante que o miúdo me expropriou a escova com uma pintarola dos diabos, e é nestas alturas que me lembro da célebre frase da minha mãe "quando eu for velha espetam comigo num lar, sem piedade". 

Cansados

Historicamente, é nesta altura do ano que acusamos o cansaço. Raro é o dia que chegamos a horas à escola, raro é o dia que jantamos a horas, que nos deitamos a horas, que temos roupa a horas (entenda-se, lavada e passada nas gavetas), raro é o dia em que não reclamamos da falta de tempo. Porque os fins de semana passam a ser mais sociais, porque é a recta final escolar, porque é a recta final futebolística, porque é a recta final na dança, porque fazem os dois anos com quinze dias de diferença, porque eu cozinhei para um batalhão com quinze dias de diferença, porque está sol e apetece férias. E é isto. E por isto, nem tenho vindo aqui. 

terça-feira, 19 de maio de 2015

Das recomendações

O miúdo foi convidado a jogar noutro clube.
Assim, vai deixar um clube da aldeia, para ir para um clube da cidade.
Sabia que  a nostalgia de deixar os amigos e treinador do clube que representou até hoje, era grande. Mas também sabia que ele estava contente pela mudança.  
Sei que a mudança é grande, e que esteve até hoje em boas mãos. Sei que de todas as vezes que lhe disse que nunca o queria ouvir a dizer asneiras, ele me dizia que o treinador nem deixava. E tantas vezes ouvi outras equipas darem os parabéns à nossa, pela atitude, civismo e boa educação.
Sei que agora vou ter de estar mais atenta, e tentar que não se esqueça dos valores incutidos até então. Não digas asneiras.  Não contestes o Sr. árbitro. Não cuspas para o chão. Ouviste? Cuspir para o chão é horrível e nojento. 

No momento da assinatura do contrato com o novo clube, quis registar o acontecimento. Ele refilou, eu que me deixasse de certas mariquices, ainda alguém podia ver, e era uma vergonha. Assim, a custo, consegui  captar o momento. 

É urgente actualizar a lista: não digas asneiras. não contestes o árbitro. não cuspas para o chão. não coces a tomatada.

Profissões ingratas

Do meu fim de semana fiz a seguinte introspecção : se o teu filho quiser seguir uma profissão, que seja qualquer uma, mas que nunca, em circunstância alguma, seja árbitro, ou tu, a mãe, vais ser puta o resto da vida. E ele, o filho, vai ser cabrão o resto da vida. 
Assim, sábado de manhã, no jogo do miúdo, lá estava um. Um cabrão. Um filho da puta. 
No domingo de manhã, no jogo do miúdo, eram dois. O árbitro, e o fiscal de linha. Os dois uns cabrões, uns filhos das putas. Domingo à tarde, no belenenses-porto, eram três. O árbitro e os dois fiscais de linha. Os três uns cabrões e uns valentes filhos das putas. 
Eu, já devia estar habituada, mas há as coisas às quais não me consigo habituar. O defeito, deve ser meu...

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Colecção (de maus odores)

O despertador tinha tocado há pouco. Acordo a miúda primeiro, só dez minutos depois, o miúdo. Ele é mais rápido, dou-lhe mais uns minutos de sono. Abro a porta do quarto . Entro no quarto. Sinto um cheiro intenso, e penso que está um cão morto algures num canto qualquer. Mas o nosso cão está de saúde, benzó Deus. Assim que o sol invade o quarto, vejo o armário do calçado do futebol escancarado. Aproximo-me. O cão está ali. Não se pode ali estar. Antes de sair de casa, deixo as janelas abertas. E ponho tudo a arejar.
Olho para a fileira de chuteiras que me empestaram o quarto, e pergunto-me como é que o miúdo me pediu umas novas, de presente, para o seu aniversário desta semana... É mais ou menos na mesma linha do seu sexto aniversário. Conforme os amigos vinham chegando para a festa, eu via o monte de bolas que recebeu de presente a crescer exponencialmente. E ele já tinha uma colecção considerável. No fim da festa, e sem saber o que fazer a tanta bola, comentei que achava curioso todos os meninos terem tido a mesma ideia. E ele disse-me no seu ar mais inocente "a todos os que me perguntaram o que é que eu queria receber, eu disse uma bola de futebol..."


sábado, 16 de maio de 2015

Provérbios

As dúvidas do miúdo:

- mãe, "em casa de ferreiro, espeto o meu pau", não é?


sexta-feira, 15 de maio de 2015

Há lá coisa mai linda?

-Aiii...Que horas são?
- Onze e meia!

- Ohh... Leva-me contigo...
- P'rá onde?


- P'ra dançar na praia
- Só contigo?
- Simmmm, comigo. Dançar na praia, rolar no chão...

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Alterações

"Vou fazer umas alterações no meu terraço" , disse-lhe. 

Adoro alterações, e se pudesse estava sempre a alterar. No que à decoração diz respeito, note-se. Ela olhou para mim, olhou para o terraço e suspirou. Manias, deve ter pensado.

Acabei de lhe dizer que as alterações estão concluídas e pode vir verificar. E que o meu terraço já parece outro. Suspirou. Chata, deve ter pensado.
Afinal, só destituí uma planta que estava a ficar a modos que feiosa, e plantei uma hortênsia no seu lugar. Quando ela vir, aposto que vai suspirar. Completamente chanfrada, vai na certa pensar.
Mas a mim, já me parece outro.


Pé de orelha

Deve ter sido há mais ou menos um ano atrás, que o miúdo me veio com esta conversa.
Foi na altura em que a irmã se debatia com a escolha do curso, para o 10º ano. Perguntei-lhe se ele, já tinha pensado nisso, embora soubesse que tinha ainda uns anos para pensar no assunto.


- não mãe, nunca pensei muito nisso, porque eu nem vou fazer o 12º...


Por instantes senti uma apoplexia. Depois recompus-me, e achei que podia ser uma brincadeira.
 
- não mãe, não estou a brincar. É mais ou menos nessa altura que os grandes clubes vêm buscar os grandes jogadores, e eu depois nessa altura não vou ter tempo para grandes estudos...


Tivemos logo ali um pé de orelha. Eu dei o pé. Ele deu a orelha. 

Ontem, a caminho do treino, e um ano volvido, voltámos a falar sobre o assunto.


- Olha mãe, eu sei que tenho de estudar. Eu sei que ser jogador de futebol profissional é muito difícil. Vocês já me explicaram isso tudo. Eu sei. Mas eu quero mesmo, sabes? Eu não me imagino a fazer mais nada. E eu vou estudar, mas o que eu quero é mesmo isto. E por exemplo, vê lá se percebes, eu tenho muitos amigos que jogam comigo, e todos dizem que querem ser jogadores de futebol, mas eu depois vejo o comportamento deles nos treinos e nos jogos, e vou-te dizer, querer... querer... quase nenhum quer, na verdade. Acho que de todos, aqueles que querem mesmo, sou eu e outro. Querer, mesmo a sério, 'tás a ver? Querer com força. É isso. É o que eu quero, e ninguém me vai tirar isso da cabeça. E eu vou esforçar-me sempre bué para conseguir. 


Foi o nosso pé de orelha. Ele deu o pé. Eu dei a orelha.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Velhice Radical

Eu lembro-me, que quando a minha mãe se divorciou, eu pensei que ela era velha e nunca mais na vida ia arranjar ninguém. A minha mãe tinha quarenta e dois anos (42, entenda-se bem), e eu achava que ela estava velha. Na verdade, nunca arranjou ninguém, mas sei hoje que não foi por ser velha, porque eu no alto dos meus recém chegados entas, me sinto uma jovem, e longe, muito looooonge de ser velha. 

 
Hoje, vinha no elevador com as miúdas (a minha e a amiga), e uma delas deu um grito :

 
- Tu nem imaginas o que é que aconteceu hoje! - Mas foi um grito tão alto, e tão histérico (e tão próprio desta idade), que eu até saltei para trás com o coração preso na traqueia.

 
- Nós hoje descobrimos que o prof de filosofia tem uma double life! - Numa fracção de segundos imaginei mil cenários para esta descoberta. Todos aqueles maléficos, que uma mãe imagina, ainda para mais, dado o aparato do histerismo.
A medo, perguntei:

 
- O que é que descobriram?

 
Atropelavam-se as duas, completamente exaltadas, excitadas, com aquilo que tinham acabado de descobrir acerca do prof de filosofia. Em resumo foi isto : O homem faz surf. O homem faz skate. O homem vai para o alentejo surfar desde pequeno. O homem vai aos fins de semana para o skate parque, com os amigos. O homem aos fins de semana anda de ténis de uma marca xpto (que não decorei, tal o espanto com que ouvi tamanha revelação), e anda de calças balão. O homem teve em tempos o cabelo comprido. O homem faz maratonas, e até veio lesionado da última maratona em Madrid. 

 
Em suma, o homem tem uma vida, para além de ser professor. Mas não só tem uma vida, como tem uma vida a modos que radical. 

 
- Mas foi só isso que vocês descobriram? 
- Foi. Não achas o máximo?
- Sim, é de facto inacreditável - respondo ironicamente - E quantos anos é que ele tem?
- Não sei mãe, mas deve ter pouco menos do que tu... Uns trinta e sete, trinta e oito...

 
Está explicado. Afinal, as miúdas tinham razão para tanto histerismo. O homem está velho, não se percebe como é que consegue tanta proeza... 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Enguia

A miúda jantou em casa de uma amiga, na véspera do seu aniversário.

- oh mãe, nem acredito que a minha última refeição antes de fazer dezasseis anos, foi pescada com batata cozida.

Quase que me benzi, minha rica filha, pescada com batata cozida é coisa não entra nesta casa desde que eles eram bebés e não opinavam acerca do menu. Quando muito, cuspiam, em sinal de protesto. 

- oh filha... a sério? deixa lá. 
- oh mãe, mas sabes que até me soube bem? andava com muitas saudades de comer peixe. nunca mais fizeste peixe cá em casa...
- nunca mais fiz peixe? então esta semana já fiz bacalhau, e já fiz salmão!
- não...eu estou a falar de peixe grelhado... por exemplo, nunca mais fizeste enguia, e aquilo é tão bom! tenho mesmo saudades de enguia!

Eu, que ainda não lhe tinha comprado o presente de aniversário, fiquei a pensar seriamente em passar no mercado, no dia seguinte, e embrulhar-lhe um peixe espada bem fresquinho para lhe oferecer. Nunca mais na vida ia confundir um peixe espada, com uma enguia, na certa...  É que nunca pus os cotos numa enguia, quanto mais os dentes...

Só que não. Em vez disso, ofereci-lhe um bikini lindo de morrer, que lhe fica a matar, o anzol perfeito para ela pescar um peixe espada(údo) ou quiçá uma valente enguia. Um erro. Um tremendo erro. 

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Sweet Sixteen

A minha miúda fez dezasseis anos.
Depois  das indecisões relativamente a uma possível festa, ainda me diz que o habitual jantar que preparo no próprio dia, não pode ser com muitos convidados, porque tem teste no dia seguinte e "faz uma coisa pequena, ok?". Perante a responsabilidade demonstrada, cedo. Convido um grupo restrito, família mais chegada, dois casais amigos. Coisa pouca.
Mas a melhor amiga decide organizar uma surpresa e pede a minha ajuda. Convidar os amigos mais chegados a aparecerem de surpresa para jantar. Perante o empenho demonstrado, cedo. De um grupo restrito, passamos a ter mais dez. Depois penso, que de restrito já não tem nada e decido convidar mais umas quantas pessoas que tinha inicialmente em mente. E de coisa pouca, passou a coisa muita.
E a surpresa foi tal, que quando os amigos entraram porta dentro, com dois balões e um magnífico bolo na mão, achei que todo o sangue da miúda se lhe tinha concentrado na face. E ela estava feliz,e não há nada mais gratificante do que ver o sorriso de felicidade estampado no rosto de um filho...

E em modo repost, o que escrevi o ano passado, porque continua a iluminar a minha vida...

Minha querida filha,
Fez ontem dezasseis anos. Fez ontem dezasseis anos que trouxeste luz à minha vida.
Não posso dizer que ainda me parece que foi ontem, porque não me parece. Não é essa a sensação que tenho, quando olho para trás e penso nos dezasseis anos volvidos.
Olho para trás e penso que era uma miúda, ainda.
Uma gravidez não planeada, uma série de acontecimentos novos na minha vida. Tudo de enxurrada. Recordo-me que embora fosse uma experiência totalmente nova e inesperada, vivi a gravidez de uma forma tranquila, sem grandes questões, inseguranças ou medos. Recordo-me de o pai, me ter oferecido uns quantos livros de puericultura, quiçá na esperança que eu me debruçasse sobre os mesmos, quiçá na inquietude da nossa inexperiente juventude.
Os livros, esses, permaneceram intactos sem que lhes tivesse prestado qualquer atenção. A minha serenidade, levava-me a crer que a maternidade era uma coisa intuitiva, e eu saberia cuidar do meu bebé sem o uso dos manuais. Afinal, eu tinha um trabalho de alguma responsabilidade, a faculdade à noite, e outros manuais com que me debruçar.
Esta minha serenidade e intuição, levaram-me a crer inicialmente que tu serias um rapaz. Não que tivesse preferência no sexo, mas era uma intuição. Uma intuição falhada, soube alguns meses mais tarde.
Recordo-me que faltava muito pouco tempo para tu nasceres, quando sonhei contigo pela primeira vez. Sonhei que te tinha nos braços, e que eras loirinha de olhos azuis. E fiquei com a convicção de que eras mesmo assim.
No meu trabalho, vivia rodeada de homens, sendo que eu era a única mulher do meu departamento. Já eu estava  gorda que nem um pote, com dezassete kg a mais em cima do lombo e sentia na maioria deles o pânico de que a qualquer momento eu estaria prestes a explodir. E todos me questionavam o porquê de continuar a trabalhar, uma vez que estava já em fim de tempo. No trabalho do pai, eram as mulheres dos colegas dele que me questionavam esse porquê (julgo que apesar de nenhuma estar prenha, nenhuma delas trabalhava na altura). A mim, fazia-me confusão não o fazer, e entre o trabalho, a faculdade e as lides de casa (algumas lides de casa), ainda fiz o teu enxoval, e foi na minha hora de almoço que comprei o teu berço, a colcha e outros apetrechos, tudo em tons de azul, que na altura tinha a mania que não gostava de rosa (e não, não era por ter tido a intuição de que aí vinha um rapaz, mas esta minha mania anti-rosa que durou muito pouco tempo, acabou por se traduzir numa grande poupança, quando três anos depois nasceu o teu irmão).
Trabalhei portanto até ao ultimo dia. Não planeei o parto, não fiz aulas de preparação, e quando senti chegado o momento fui para o hospital.
Não foram horas fáceis. Nem tão pouco, foram poucas. Durante as treze horas e meia em que esperei pelo tão ansiado momento, o pai , mais nervoso que eu, tentou acalmar-me com festinhas. Garanto-te que quase levou uma chapada em troca. Lembro-me que vociferei umas quantas barbaridades, entre as quais que nunca mais na vida iria ter outro filho.
Quando tu finalmente nasceste e te colocaram nos meus braços, chorei. Mas isso, não deve ser uma novidade para ti. Tu sabes que eu choro. Sabes que choro de cada vez que me emociono e esse foi talvez o momento mais carregado de emoção, em toda a minha vida. Estavas finalmente nos meus braços. E eras exatamente como eu tinha sonhado. Os teus cabelos eram quase brancos de tão loiros que eram. A tua pele era branca, quase transparente. Os teus olhos, tão azuis como o mar.
Tinhas umas mãos e uns pés grandes, coisa que fez com que a tua pediatra nos tivesse feito crer até há bem pouco tempo atrás, de que irias ser alta e espadaúda. Hoje percebemos todos (inclusive ela) que apesar das mãos esguias e dos pés em estilo barbatana, se chegares aos meus míseros cento e sessenta centímetros será uma sorte.
Julgo que a maternidade a levei mesmo por intuição. E grosso modo, não me parece que tenha feito um mau trabalho. Tirando o facto de  não te ter comprado uma chucha anatômica (a inexperiência tem destas coisas ), e de te ter enfiado no primeiro dia com uma chucha tamanho XL pela boca adentro, o que fez com que, quando me tivesse apercebido do erro, tenha sido tarde de mais e te tenha custado (a ti e a mim, em perspectivas diferentes) um ano e meio de aparelho para endireitar a caramalheira toda.
O facto de teres usado chucha durante muito tempo também não ajudou. Mas, também de uma forma intuitiva, deixei que a usasses até quereres (assim como fiz com o teu irmão). Achei por bem não fazer-te passar por esse sofrimento, já que durante meses insistimos na chucha como forma de acalmar, e depois o desmame forçado, pensava eu, devia ser algo difícil e doloroso (pronto, o facto de eu ser fumadora, ajudou nessa minha decisão do "chucha até quereres, que isto do vício é tramado"). Assim, e da mesma forma descontraída e leve com que sempre tens levado a vida, ignoraste até aos seis anos os comentários alheios de que já eras quase uma senhora e que feio era, ainda de chucha, e quando estavas prestes a iniciar o ciclo primário, foste tu quem decidiu que a chucha era uma coisa do passado.
Ao longo destes dezasseis anos, foram várias as vezes que a tua pediatra te apelidou de uma criança feliz. E é assim que eu te vejo. Descontraída, muitas vezes no teu mundo tão próprio, mas feliz.
E é essa felicidade que irradias todos os dias que me enche, que me preenche e me torna uma pessoa feliz. 
Fez ontem dezasseis anos que trouxeste luz à minha vida. 
Love you.

Já venho fora d'horas para falar no dia da mãe?

É que amuei nos últimos dias, e agora que já desamarrei o burro, já me sinto capaz de verbalizar sobre o dito. 

Uns dias antes, na confusão que é a secretária do meu miúdo, e na tentativa de lhe dar um jeito (que mais não é, do que amontoar tudo e encostar a um canto), vislumbro um postal cor de rosa. Uma coisa muito simplória, um "certificado do amor" já "fabricado", onde só estava preenchido com a sua letra, o nome dele. Percebi que logo que algum professor se tinha preocupado com o assunto, já que agora, no terceiro ciclo, um mundo de meninos crescidos, não há cá trabalhos manuais para presentear a mãe neste dia especial. 
Voltei a colocar o referido postal na confusão dos papeis, e esperei que me chegasse às mãos no domingo.

A miúda na véspera do dia da mãe, dá-me um abraço e diz-me que no dia seguinte eu não teria de me preocupar com nada. Que me faria o pequeno almoço, que mo levaria à cama, que faria o almoço, que arrumava a cozinha, e blá blá, pardais ao ninho, e eu pardalita no ninho, de perna cruzada. A ideia animou-me.

No dia seguinte, dia mãe, note-se, sou a primeira a acordar. Ninguém tem culpa disso, pois claro, que estou a ficar a velha, e a cama já não me sabe bem até altas horas da manhã. De seguida, acorda o miúdo. Referencia nenhuma ao dia. Senta-se no sofá, liga a televisão, e vejo-o a chupar pela palhinha, um leite com chocolate. Pardalito mais pequeno, de perna cruzada.  De seguida ouço os pés da miúda a rastejar pelo corredor.  Já eu andava munida de um aspirador, pronta para contrariar o que me tinha sido prometido na véspera. Pouso a lombriga gigante que é o tubo do aspirador central, e digo "bom dia, filha!". Olha para mim, olhos inchados e além do bom dia pergunta-me o que  há para comer. Respondo já em modo "aziada", leite, pão, fiambre, queijo, iogurtes. Agarro na lombriga e aspiro a casa toda como se estivesse a fazer uma maratona de limpeza. E antes que eu expluda, fecham-se os dois a estudar. Faço o almoço, ponho a mesa, sirvo o almoço, almoçamos, oiço "feliz dia da mãe", agradeço, levanto a mesa, e como ninguém se oferece, ordeno "arrumem a cozinha, que eu vou tomar banho". 

Saímos de casa, para o jogo do miúdo, e no regresso atiro para o ar:
- hoje é o dia da mãe, e nem um postalinho, nada?
- não mãe... por acaso não fiz nenhum postal...
- não? nem um?
- não...
- então e um postal cor de rosa que está na tua secretária? não é para mim? quantas mães tens?
- Ah.... Esse... Esse foi a minha professora de escrita criativa que nos deu!!!

Ok. A professora não deve ter dito explicitamente, entreguem isto às mamãs. Está perdoado, Coitadinho do pardalito. Ligo à pardalita irmã, que tinha ficado a estudar e digo-lhe para se arranjar. Vamos jantar com a avó, porque HOJE É DIA DA MÃE, e esta pardala está cansada, e não vai fazer jantar para ninguém.
Salvei assim o dia, ninguém o salvou por mim. 

terça-feira, 5 de maio de 2015

Descobri que sei fazer magia

Aos quarenta anos de idade (bolas, ainda me custa a sair esta entoação "enta") descobri que sei fazer magia. 
A ver:

- mãeeee !! sabes onde estão as minhas calças pretas?
- estão no teu roupeiro!

trinta segundos depois:

- mãeeee !! não encontro!
- procura bem, que estão aí!

trinta segundos depois:

- mãeeee !! já procurei e não estão!

Largo o que estou a fazer, e caminho em passo acelerado, calcanhares quase a bater no rabo, em fúria. Enfio as mãos no roupeiro, e saco das ditas calças pretas. Em menos de dois segundos. E a cena repete-se, diria que quase diariamente. Como o faço quase a espumar pela boca, a miúda num destes dias, após eu ter encontrado umas calças de ginástica que, dizia ela, estavam desaparecidas há séculos, deu-me um abraço e disse "tu realmente mãe, deves ter poderes mágicos..."

Agora:
- mãeeee !! não encontro aquela minha camisola xpto!
- procura que está na gaveta!

trinta segundos depois:
- mãeeee !! podes vir aqui fazer magia?

E mais outro

Bruxa Mimi lançou-me mais um feitiço, ops, queria dizer, desafio. Tenho andado um bocado "arredada" aqui do meu modesto espaço, e antes que estas coisas caiam no esquecimento, cá vai:

7 coisas a fazer antes de morrer
Deixar de fumar (para não morrer do vício)
Voltar à Malásia
Conhecer Portugal de lés a lés
Aprender a gostar de exercício físico
Aprender a gostar de vinho (só porque dizem que faz bem ao coração)
Aprender a dançar

7 coisas que mais digo
Obrigada
Por favor
Bolas
Fonix
Vou pensar
Venham para a mesa!! (importam-se de vir para a mesa??)
Sim? ou Alô (tive que pensar duas vezes na forma como atendo o telefone, e acho que estas são as mais comuns)

7 coisas que faço bem
Cozinhar
Limpar
Arrumar
Conversar (pelos cotovelos)
Ouvir
Comprar
Decoração

7 coisas que não faço bem
Costurar
Engomar camisas (no resto, safo-me com alguma distinção)
Seguir manuais de instruções
Bricolage
Nadar
Andar de bicicleta
Dançar

7 coisas que me encantam
Ver o miúdo jogar futebol
Ver a miúda dançar
Ver a alegria dos meus miúdos
Ouvir as gargalhadas do meu sobrinho
Comezaina com amigos
Passear descontraída
Um gin tónico numa esplanada

7 coisas que não gosto
Mentiras
Ervilhas
Que coisas boas, engordem
Hipocrisia
Cinismo
De ler manuais de instruções
Pescada com batata cozida

Missão cumprida, embora que aldrabada! Não nomeei 7 blogues, mas convido a quem quiser responder!

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Dos desafios...mais um

A São, que passa a vida a experimentar novidades, para nos dar a conhecer , foi uma querida e voltou a meter-me num desafio. Já participei no mesmo, e para não estar a escrever novamente onze factos sobre mim, vou apenas responder às questões que me colocou :

Cidade Portuguesa Preferida:
Braga. Vivi lá um ano, e apesar de dizerem que é o penico de Portugal, amei.

Avião ou Barco?
Avião. É mais rápido, e eu ando sempre com pressa (que é o mesmo que dizer : atrasada)

Peça Preferida : Saia, calças ou vestido?
Gosto de tudo. Gosto de roupa. Muita, e variada. Por isso, marcha tudo.

Se eu ganhasse o euromilhões...
Quando eu ganhar o euromilhões, vou ajudar tanta gente...

Salto alto ou raso?
Alto. Definitivamente.

Flor preferida
Não tenho uma preferida. Mas gosto de flores brancas. Jarros, rosas, tulipas...

Fruta preferida
Cerejas. Cerejas. Cerejas. Que saudades...

Humor ao acordar
Hum.... Do pior que se possa imaginar. Já tentei inverter a situação, mas, é mais forte do que eu.

Bebida preferida
Gin tónico. Sempre.

O que gostavas mesmo, mesmo de experimentar
Agora é que a porca torce o rabo... Assim de repente, não me ocorre nada...

Agora as nomeações, sendo que as perguntas podem ser estas da São, ou as da Linda Porca, no desafio igual (o link está no início do post)

Boneca (abestelha prá'í)
Cinquentinha (para relatares quando voltares de férias)
Cláudia (se tiveres tempo)
Francisca (aqui ou em Veneza...)
B (para de distraíres)
Maria C. (caso te toque)
Paula ( respondes agridocemente?)


O primeiro beijo

O miúdo tem uma namorada.
Felizmente, não são da mesma escola. Se assim, aquela cabeça já só pensa em tudo menos no estudo, a serem da mesma escola o caldo estaria ainda mais entornado.
O miúdo vai fazer treze, e já tem uma namorada.
Foram ao cinema com um grupo de amigos. 
No carro, de regresso a casa, conta-nos que o amigo estava muito triste, porque uma das amigas lhe roubou um beijo. Pergunto-lhe porque está chateado e ele explica-me:

-Foi o primeiro beijo dele! O primeiro beijo deve ser algo de especial. E foi aquela miúda tem uma baliza nos dentes, 'tás a ver? 

- Então e o filme ? Foi giro? Ou estiveste o tempo todo aos beijos?

- Se quiseres conto-te a história do filme. Mas... eu só sei a história, porque quando cheguei cá fora pedi para me fazerem um resumo ! - Ri-se com ar de malandro.

- O quê? Estiveste mesmo o tempo todo aos beijos? Olha que isso até te pode fazer mal. Podes ficar com a boca cheia de cieiro... -  Engulo em seco, mas ele está bem disposto e falador e decido arriscar:

- Então e o teu primeiro beijo? Foi com esta miúda?

- Não mãe, achas? 

- Ai não? Então foi quando? - Revolvem-se-me as entranhas.

- Foi quando eu tinha uns onze anos - diz-me, como se onze anos fosse uma idade muito longínqua - e foi num daqueles jogos de verdade ou consequência. - Sinto o murro no estômago.

- Ai foi? Então e foi com quem?

- Oh mãe, não achas que estás a querer saber de mais?

- É só mera curiosidade...

- Ai é? Então e tu? Com quantos anos perdeste a virgindade? - Sinto o coração entalado, quiçá preso entre duas costelas, resmungo qualquer coisa relacionado com o facto de ser eu a mãe, nada sem muito sentido, e damos por encerrado o assunto.

terça-feira, 28 de abril de 2015

Gaba-te cesto, que vais à vindima

No carro, a caminho do treino de futebol, miúdo ao meu lado, equipado, pernocas à mostra.
Começa a contrair os músculos, e diz-me:
-Olha-me só esta musculatura, hein? 

Olho-lhe as pernas, ainda despidas de pêlos, mas bem definidas, meu homenzinho pequenino. Tiro uma mão do volante e pouso a mão na sua perna ainda contraída.
-Psst... Tira daqui a mãozinha que isto é propriedade privada...

Sorrio. E ele remata:

- Cada pessoa tem o seu corpo. E as pessoas não se devem queixar do seu corpo, porque cada qual tem o seu. Mas depois há aquelas pessoas assim como eu, que tiveram a sorte de ter um corpinho destes...