sábado, 20 de junho de 2015

Descanso

Olho à minha volta . Olhos semi cerrados, o sol aflige-me. Tento habituar-me à claridade -  não posso estar sempre de óculos escuros, que já consigo visualizar as marcas do sol, a face bronzeada , a pele circundante aos olhos, mais esbranquiçada. Olho à minha volta . Vejo grávidas . Muitas grávidas . Mulheres prenhas, exibindo barrigas imponentes e umbigos prestes a explodir . E muitas mães. Já efectivas, com filhos cá fora, bebês pequenos, crianças pequenas, crianças crescidas. Lembro-me da notícia que li ontem, assim na diagonal, de que as estatísticas indicam que o nosso país está cada vez mais velho. Por cada cento e quarenta idosos, cem crianças. Este país não pode estar velho. Esta praia não é de velhos. Até onde a minha vista alcança não consigo vislumbrar nenhum, embora saiba que aos olhos dos meus filhos se encontram dezenas. 
O sol escalda-me, e olho para as miúdas. Levanto-me em preguiça, e dou uma esguichadela de spray nas costas de cada uma . Estão alinhadas, as cinco - quais frangos na grelha de um churrasco. Espalho o protector deixando resticios de creme branco sem que se apercebam. Sei que não gostam, mas ao comentário da minha ( " nunca me lembro de seres tão chata com o protector" ) respondo com as estatísticas de cancro de pele cada vez mais altas. As estatísticas. Sempre as estatísticas. Volto a deitar-me em preguiça . Uns metros à frente, um casal com duas crianças. Não descansam em preguiça, e olho-lhes os movimentos. A mãe emborca um biberon de leite na boca do bebê, enquanto o pai muda a fralda cueca do mais velho. Fralda mudada , sentados debaixo do chapéu, o pai abre o jornal depois de dar uns brinquedos ao filho. Pensa " entretém-te aí um bocado" - imagino. A criança não se entretém, num ápice abandona a sombra. A mãe, empunha o bebê ao colo, dando-lhe pancadinhas nas costas. Intervalado com as pancadinhas, com um só braço, pega numa lancheira que entrega ao marido, olhos postos no jornal. " o Afonso, o Manel, o Gonçalo, ou quiça o Zé Maria, tem fome " - imagino que lhe diga. O pai dobra o jornal, mal dobrado, páginas desalinhadas e já cheias de areia, pega no Afonso, no Manel, no Gonçalo ou quiça no Zé Maria, senta-o de novo à sombra, e articula colheradas de iogurte pela boca do filho. Uma mão de areia furtuita apimenta o iogurte - os ânimos. O pai zanga-se, levanta-se, procura qualquer coisa no saco gigante que imagino que carregou a custo, e enfia o iogurte inacabado num saco de plástico. A mãe deita o bebê no colo, depois de um arroto imponente - quase que o consegui ouvir. 
O pai desdobra o jornal, tenta alinhá-lo, as folhas estão tesas do sol, não se alinham . O miúdo chora, levanta-se, o pai ralha, a mãe faz pchiu, o miúdo quer ir chapinhar no mar, o bebê quer dormir - imagino. 
O pai olha na minha direção, baixo a cabeça. O sol escalda-me as costas,  desafio as miúdas para um mergulho. Enquanto me levanto, vejo as folhas do jornal, cada vez mais desalinhadas, o pai gesticula um qualquer ralhete ao miúdo, o bebê esperneia com calor - imagino. 
A mãe está impaciente, agarra no jornal, agora transformado em dois, enfia-o no saco gigante com algum vigor, o pai arranca em passo acelerado com o Afonso, o Manel, o Gonçalo, quiça o Zé Maria de braçado, em direção à água. 
A mãe, uma rapariga para a minha idade - penso se devo deixar de dizer "rapariga", de cada vez que me lembro de ouvir o meu avô " vou jogar às cartas com os rapazes ". Um dia, estranhando a disponibilidade daqueles rapazes da minha imaginação, para jogarem às cartas com um homem de quase nove décadas completas, perguntei quantos anos tinham os rapazes. " são todos rapazes aí para a minha idade" respondeu-me - de barriga ainda proeminente de um parto recente, ajeita melhor o bebê na sombra, deita-se a seu lado, vai descansar um pouco - adivinho-lhe o cansaço, enquanto  caminho para o mar. 
O descanso é breve, quase instantâneo. O pai cruza-se comigo, o Salvador - ouço-o agora, enquanto reclama com o filho, as mãos cheias de areia nos olhos - chora, aflito, e pede a mãe. 

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