quarta-feira, 25 de março de 2015

Santinho Versus Más Infuências

Era uma vez, numa terra não muito distante, duas amigas, com filhos da mesma idade. Os filhos mais novos, eram os melhores amigos. Eram da mesma turma, frequentavam a casa um do outro, passavam férias juntos. Só que as amigas tinham algumas formas diferentes de ver a educação das suas crias, e por vezes os ânimos exaltavam-se quando cada uma expunha a sua opinião. Um dos meninos era muito sossegado e de parcas palavras, o outro era um espalha brasas e extrovertido do pior. De modo que, de cada vez que a mãe do menino sossegado ouvia queixas dos professores acerca do seu menino sossegado, nunca queria acreditar que assim fosse, porque o seu menino era um santinho. A mãe do menino espalha brasas quando ouvia queixas dos professores, chegava a casa e repreendia o menino. Quando estas situações começaram a ser recorrentes, nitidamente sentiu-se um afastamento. E a mãe do menino espalha brasas, percebeu que a mãe do menino sossegado sentia que havia ali más influências. 
De modo que, de cada vez que o menino más influências convidava o menino santinho para ir a sua casa (vamos chamar-lhes assim), havia sempre uma desculpa para adiar o encontro.

Um dia, tinham um trabalho de grupo para fazer. A mãe do más influencias tenta organizar o encontro para se efectuar o trabalho, e mãe do santinho diz que não há necessidade, que têm muito que estudar durante o fim de semana, e algo se há-de arranjar. Ao fim do dia, mãe do más influências recebe por email o trabalho já feito, para que más influências possa olhar para ele, e apresentar no dia seguinte. Mãe do más influências resolve não se chatear com o assunto, embora olhe para um PowerPoint elaborado, ao nível de um décimo segundo ano, quiçá de uma faculdade, e constata que a elaboração do mesmo foi feito pelo pai do menino santinho.

Semanas depois, novo trabalho de grupo. Mãe do más influências mais uma vez tenta organizar o encontro, e mãe do santinho diz que não vale a pena, que se divide o trabalho ao meio, e cada uma (das mães) faz uma parte. Mãe do más influências exalta-se, diz que não anda na escola e que a parte do más influências será ele a fazer e que um trabalho de grupo tem claramente o intuito de aprenderem a trabalhar em grupo, organizar ideias consensuais, e blá blá. Mãe do santinho não gosta, chateia-se e amarra o burro.

Cada um dos meninos faz metade do trabalho em separado, chegam à escola, juntam as metades numa cartolina, e claramente a bota não bate com a perdigota. 
Mãe do menino santinho de burro amarrado, deve ter feito de propósito, e o filho apresenta uma metade de trabalho desta feita, não ao nível de um décimo segundo, não ao nível de uma faculdade, mas ao nível de um primeiro ciclo.
Professor olha para a obra de arte, e como é seu apanágio, quando tem algo a apontar negativamente a um trabalho, chama o elemento mais fraco do grupo e pede explicações (por elemento mais fraco, entenda-se com pior nota).

Professor : "Menino más influências, chegue-se aqui por favor"
Menino más influências, levanta-se perante o olhar de toda uma turma, e aproxima-se do professor que empunha a cartolina.
Professor: "Ora explique-me lá, menino más influências, como é que temos aqui uma metade de trabalho tão bem feita - aponta para a parte dele - e deste lado uma metade tão, mas tão fraquinha?"

Menino más influências podia ter respondido "olhe professor, porque não tivemos oportunidade de nos juntar, e eu fiz esta metade e o menino santinho fez esta de merda."

Podia. Mas não o fez. Menino más influências olhou o professor, e respondeu:
"Peço desculpa professor. Para a próxima fazemos melhor".

A mãe do menino más influências ouviu isto, constatou que o professor ficou a ideia de que a parte má do trabalho teria sido o menino espalha brasas más influências a fazer, perguntou ao filho o que ele achava, o filho respondeu "claro que sim, que ele acha que fui eu que fiz aquilo, mas querias o quê? que eu fosse dizer que fizemos em separado, e que eu tinha feito a parte melhor? isso seria muito mau para o meu amigo, e ele é o meu melhor amigo".
Mãe do menino más influências sente orgulho no filho, embora sinta a injustiça (mas de injustiças está o mundo cheio), quanto à mãe do menino santinho não se sabe o que terá concluído daqui (nem se soube o final da história) porque amarrou o burro até aos dias que correm...
FIM



9 comentários:

  1. sabe-se lá porquê tenho qualquer coisa de familiar nessa história

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  2. sabe-se lá porquê, também eu ! ;)

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  3. Quando não há bom senso há chatices.
    A grandeza das pessoas vêem-se nas atitudes. Aqui, "Más influências", é um exemplo, ironicamente.

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    1. Claramente. E a questão levanta-se : influências? más ou boas, afinal?

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  4. Más influências, uma questão que já me chateou bastante. Cada mãe à sua maneira acha sempre que os outros é que influenciam os seus santinhos. E quem sofre e quem perde são sempre os miúdos que se vêm sozinhos e bom a auto-estima em baixo....

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    1. Eu chateia-me essa questão e muito. Digo sempre aos meus para pensarem por si, e nunca os proibi de se darem com quem quer que fosse. Eles terão de aprender sozinhos (mesmo que os aconselhemos) do que é bom e do que é mau.

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  5. esta história podia entrar num livrinho sobre educação para a cidadania, falando de carácter, tinha a sua pertinência!

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  6. Uma história muito bonita, de um menino com um coração muito bonito!

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  7. Olá Rainha :)
    De certa forma, há um paralelismo com a minha própria infância. Os meus pais ganharam cabelos brancos à conta de eu me dar com toda a gente, "todo cão e gato" - dizia a minha mãe. E eu defendia o meu ponto de vista, o de nunca ostracizar ninguém. Tendo sido vítima de bullying, uma das lições assimiladas é que nunca o faria. Mas tinha a consciência que algumas das minhas companhias seriam realmente más influências. Como tal, tive um diálogo aberto com os meus pais, pedindo-lhes confiança no meu discernimento, na educação que me haviam dado e sobretudo na minha personalidade, que estava longe de ser a de uma pessoa influenciável. Os meus pais compreenderam e deram-me tal liberdade, mesmo que a custo de insónias, presumo eu.
    Tive todo o tipo de amigos e amigas, inclusive quem cujas amizades estavam dependentes da aprovação parental. Sei que o facto de ser boa aluna e de possuir outros atributos similares foram basilares na sua aproximação à minha pessoa. Sempre o soube (sou simpática mas não sou estúpida), e fui somando, ao longo dos anos que essas relações duraram, péssimos exemplos de egoísmo e parasitismo, de alguma falta de empatia, de desconhecimento de noções como a reciprocidade. Nem tudo era mau, como é óbvio, mas essas falhas comportamentais estavam muito presentes.

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