quinta-feira, 26 de março de 2015

Agradecer, a vida.

Foi há uns anos, em Moçambique, numa viagem de Maputo a Nampula.
Ouvia-se na altura, que os aviões da LAM não eram seguros, que não tinham as revisões obrigatórias, razões pelas quais deixaram de fazer voos para Lisboa. E nesse dia, não íamos na LAM. O voo era de uma outra companhia local, que, imagine-se, tinha apenas dois aviões, e um deles estava já parado por avaria. Nunca pensei muito nestas observações que me faziam. Tinha de lá ir, e positiva, pensava, vai correr tudo bem.

O voo era tipo autocarro, com uma série de escalas. Até ao meu destino final, faríamos duas paragens intermédias. Saíamos de Maputo, parávamos na Beira, depois em Quelimane, e finalmente em Nampula. Depois da paragem em Quelimane, e quando o avião tinha acabado de descolar, ouviu-se um estrondo enorme. Foi tudo muito rápido. Os gritos aflitivos dos passageiros, o cheiro a queimado, a descolagem abortada, as rodas no chão, a travagem abrupta. Não foram minutos, foram segundos. Não tive tempo de pensar em nada, recordo-me apenas de sentir o coração na garganta.
Quando saí do avião e vi o buraco gigante no reactor do avião, provocado por uma águia suicida, pensei nos meus filhos em Lisboa, na minha família, na morte.

A viagem de Quelimane a Nampula acabou por ser feita no mesmo dia, num pequeno avião fretado por uma das pessoas que nos acompanhava. Recordo-me de sermos doze passageiros, com o piloto treze. O avião tinha apenas nove lugares. O piloto olhou para nós, olhou para a quantidade de bagagem e anunciou que não havia lugares para todos, e que a bagagem teria de ser pesada. Recordo-me do burburinho à volta da questão, recordo-me de ter amaldiçoado o meu trabalho que me levava a tão longínquas paragens, e recordo-me do piloto nos ter mandado embarcar. A todos. E a toda a bagagem. Positiva, pensei, vai correr tudo bem.
Dormi a viagem toda.
E correu tudo bem.

Uns dias depois jantei com um comandante da Tap, que ao ouvir o sucedido nos disse que teríamos de ir a Fátima acender uma vela em sinal de agradecimento. Que a pista de Quelimane era a mais pequena do país, e que foi uma sorte o piloto não a ter usado toda para descolar, e não ter de aterrar já no mato mais à frente, onde nos iríamos despenhar, e com a quantidade de combustível que o avião ainda continha para prosseguir viagem, o cenário teria sido aterrorizador (e eu, não estaria aqui, na certa, para contar a história).

O medo de andar de avião, tornou-se relativo. Meti na cabeça que as probabilidades de voltar a ter um incidente aéreo seriam escassas,  embora soubesse que esta minha teoria era também muito relativa. Continuei por isso a viajar, nas mais variadas companhias aéreas (incluindo as moçambicanas), positiva, pensava, vai tudo correr bem, e dormia.

Hoje, de cada vez que vejo mais uma tragédia na aviação, penso que tenho de ir outra vez a Fátima, acender uma vela, e agradecer pela vida.


3 comentários:

  1. Há casos e casos e não só em aviões. Felizmente esse foi um sucesso, ainda bem, pois outros há que nem por isso. Também já passei por alguns sustos mas nem por isso tenho medo de andar de avião, acho que confio na minha estrelinha. Se formos a ter medo de tudo, nunca fazemos nada, não é? Beijocas Ervilha :)

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    1. Pois, essa é a questão... confiar na estrelinha, e pensar positivo "vai correr tudo bem".
      Beijocas !!

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  2. Em certas situações pensar muito ou sofrer por antecedência de nada adianta. Vou mentalizando-me que se tiver que ser, pois será, com ou sem condições.

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