Esta semana tivemos o dia pela erradicação da violência contra a mulheres.
E eu lembro-me. Não me lembro como se fosse ontem, porque me parece que foi há uma eternidade atrás (e foi), mas há coisas que não se esquecem, e ficam guardadas no recôndito da tua memória, para que saibas e te recordes que as viveste, que aconteceram, que não vais permitir que de novo aconteçam.
Começou por ser um namoro bonito, ele pouco mais novo, eu maior de idade. Eu gostava dele, ele gostava muito de mim. Mas gostava muito, tanto, que esse gostar se transformou numa obsessão doentia, misturada com ciúmes doentios, a acrescentar atitudes mais doentias ainda.
A primeira vez que me bateu, respondi na mesma moeda. Eu, a miúda espevitada, senhora do meu nariz, era só o que faltava, alguém me encostar a mão. Terminei tudo, não admitia, sabia como era, sentia que nunca mais, nada iria ser como antes. Aquela atitude tinha quebrado toda e qualquer confiança que pudesse ter, naquele que era o meu namorado. O respeito tinha terminado ali, de parte a parte. Mas ele gostava muito de mim. Mas gostava muito, tanto, que chorou baba e ranho, implorou contra a minha decisão, jurou que nunca, jamais, voltaria a ter uma atitude semelhante. E eu, julgo que de alguma forma ciente de que aquela jura poderia não ser cumprida, ainda assim, voltei atrás.
Não muito tempo depois, e desta vez em publico, aconteceu novamente. De uma forma mais brusca, mais violenta, de modo a que eu, a miúda espevitada, senhora do meu nariz, me tenha visto naquele momento com o dito no chão, o orgulho, a auto estima, e as forças quase inexistentes. Queres apresentar queixa, perguntaram-me. Não queria, não queria relembrar o momento, não queria assumir e tornar publico que tinha errado, principalmente perante a minha mãe. Eu, a miúda espevitada, senhora do meu nariz, deixar que me agredissem, física e psicologicamente, era algo que eu não queria jamais transparecer. A mãe soube, os amigos souberam, eu sozinha percebi que o erro não era meu e disse o basta. Percebi que ele não gostava muito de mim. Que não gostava muito, tanto, porque gostar não é assim. Percebi que a vivencia que tinha tido, assistindo a atos semelhantes vindos do pai e do irmão, não lhe davam o direito de ser igual. E eu não podia, não queria ser mais uma vitima daquela família insana.
Fui perseguida nos sete meses seguintes. Presenciei cenas de choro, pedidos de desculpa infinitos, alternados com revolta e ameaças. Não cedi, e qual senhora do meu nariz, muitas vezes envergando uma falsa máscara, mostrava não ter medo. E as perseguições foram escasseando, os pedidos de desculpa deixaram de existir, de quando em vez nova ameaça. E eu rapidamente me reergui, coloquei o acontecimento no passado, continuei a viver o meu presente.
Mas muito de vez em quando, lembro-me. Não como se fosse ontem, porque me parece que foi há uma eternidade atrás (e foi), mas há coisas que não se esquecem. Para que saibas e te recordes que as viveste, que aconteceram, que não vais permitir que de novo aconteçam.